Estudantes realizam série de oficinas com jovens do Poço da Draga

Durante um pouco mais de um mês, as visitas à comunidade do Poço da Draga tornaram-se parte da rotina da cadeira de 3º setor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará. O grupo de alunos chegou junto com a realização Feira Massa, evento realizado por uma instituição particular.

A agitação e mobilização dos moradores era visível, as atividades de capoeira, dança, oficinas e produção do evento eram sempre bem movimentadas. A memória coletiva do Poço da Draga vem dos seus 109 anos de criação e das inúmeras histórias dos pescadores e refugiados da seca que fizeram morada junto ao mar.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

Comunidade Poço da Draga

 

Alguém um dia disse que se fizéssemos o mesmo caminho por seguidos dias consecutivos, isso significaria que não somos livres. Tal pessoa falava do automatismo que acompanha nosso cotidiano contemporâneo na cidade. Acontece que, entre o mar e o centro de Fortaleza, existe um lugar que é puro descobrimento e libertação.

Ednardo cantara este lugar em suas “Longarinas”: a ponte velha que entre as espumas do verde mar teima resistindo. E toda a comunidade que se espalhou nas areias da Praia do Peixe (Praia de Iracema) resiste à especulação imobiliária, estigmatização, marginalização, truculência policial e preconceito.

Percebemos no Poço da Draga a preservação de associações, de lutas comunitárias, de “bairrismos”, da tradição oral, e uma auto sustentabilidade surpreendente, desde o carro do pão que passa dando as notícias ao final do dia à fala politizada de Izabel Cristina (49), presidente da ONG Velaumar.

O pavilhão central é uma espécie de ponto de encontro, fica bem no início da Rua dos Tabajaras – a rua onde encontra-se o Mambembe, o Estoril, o Pirata bar. Nessa rua, terminam muitas de nossas noites e começa a história de vários fortalezenses. No lugar onde desagua o Riacho Pajeú, ali perto de onde era a casa de Dom Helder Câmara, cresce uma gente cheia de histórias no rosto e germinam histórias de lutas.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

As embarcações que lotavam o mar no início de 1900, a construção da Ponte dos Ingleses, a mudança do porto para o Mucuripe, as irmãs josefinas, o Mara Hope, a construção do Acquário, os pulos no fim de tarde da ponte para o mar, as contações de histórias, os poucos pescadores que restaram, a falta de saneamento, os carrinhos de reciclagem e as ruas estreitas são páginas da história do Poço da Draga.

Poço porque quando era trespassado pelo riacho e chovia, acabava empoçado; draga por causa do nome dos instrumentos que retiram a areia do mar.

 

Diagnóstico

 

Em nossos primeiros contatos com a ONG Velaumar e a comunidade Poço da Draga, a questão do tipo de plataforma com a qual trabalharíamos surgiu. Inicialmente, a ideia era usar as redes sociais para comunicação externa, e criar um jornal comunitário para comunicação interna.

Por fim, decidiu-se: Redes Sociais (comunicação externa). A comunidade já possuía um site e uma página no Facebook, porém pouco atualizados. A prospota seria trabalhar a página do Facebook e então integrá-la ao site, visando aumentar a visibilidade da ONG. Essa plataforma não foi escolhida para comunicação interna por poucos moradores terem o costume de usar dispositivos com acesso à internet.

Rádio comunitária (comunicação interna): em detrimento do jornal comunitário, escolhemos a Rádio por ser de interesse da comunidade, e por apresentar um potencial interessante. Muitos moradores já tinham o costume de ouvir rádio, e o conteúdo trabalhado poderia também ser integrado ao site e redes sociais, seja no formato de rádio online ou podcast.

 

28 de Novembro de 2015

 

Neste dia, aconteceu o primeiro contato presencial com Izabel Cristina, uma das organizadoras e diretora da ONG Velaumar. O encontro ocorreu na casa dela, também sede da ONG. A Velaumar foi fundada por sua avó, no mesmo local onde Izabel vive hoje, e trata-se de uma organização quase familiar, onde todos os membros da família colaboram com o projeto.

A ONG tem como objetivo apoiar e divulgar o trabalho dos pescadores, assim como dos outros moradores da comunidade, além de organizar eventos culturais e esportivos. A Velaumar expandiu-se para outras localidades e também se articula com outras comunidades da capital.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

(Para ver mais fotos do nosso reconhecimento da comunidade, clique aqui)

 

O contato com Isabel teve que ser rápido, pois estava acontecendo a organização da Feira Massa que teria lugar na comunidade na semana seguinte. Fomos apresentados à Helena, uma das organizadoras da Feira, que, com Izabel, nos ofereceu um dos dias da programação do evento para a realização da nossa primeira oficina para a disciplina de Terceiro Setor.

Apesar do contato ainda superficial, a primeira oficina, com a temática de Fanzines, foi marcada para a quinta-feira da semana seguinte. Infelizmente, a oficina acabou não acontecendo.

Izabel pediu para que retornássemos na segunda-feira (30) para conversar com ela sobre a história da comunidade e a ação da ONG Velaumar. Esse primeiro encontro teve como local o pavilhão da comunidade, que estava movimentado com os preparativos para um encontro dos AA (Alcoólicos Anônimos) e com a organização da Feira Massa.

 

14 de dezembro de 2015

 

Além de Izabel, a organização da ONG fica nas mãos de Marilac Lima, sua irmã, e também de outras articuladoras: Vicenza e Neidinha. Um dos primeiros pontos destacados na conversa foi que, apesar de toda a comunidade normalmente se engajar nas atividades realizadas pela ONG, não são muitos aqueles que trabalham ativamente na organização e execução dos projetos.

Tudo deve ser acompanhado de perto por Isabel e pelas articuladoras; elas acabam ficando sobrecarregadas. Izabel e Marilac são sempre procuradas quando alguém de fora chega à comunidade, seja com o intuito de fazer um estudo, uma reportagem, ou realizar um projeto. Elas coordenam as relações de comunicação da comunidade internamente e com o restante da sociedade.

Nesse segundo encontro, a diretora da ONG nos apresentou a história do Velaumar e como ela funciona. Mencionou também as filiações com outras organizações. O encontro foi bastante informal, na sala de estar da casa de Izabel, com a chegada posterior de Marilac, que contribuiu com a discussão.

Também estava presente a filha de Izabel, que é responsável pela manutenção da página do Facebook da comunidade Poço da Draga. Elas também nos confessaram a alegria de conseguirem concluir o ensino superior e ajudarem a comunidade.

Nesse encontro, pudemos introduzir com mais calma o teor do projeto que queríamos desenvolver junto à comunidade, explicando do que se trata a disciplina de Jornalismo no 3º Setor. Explicamos que a ideia era criar um plano de comunicação, em parceria com a ONG, que atendesse às demandas da comunidade.

Pelo que ouvimos, constatamos primeiramente uma deficiência de comunicação externa, visto que o site da comunidade é pouco atualizado, e todo e qualquer contato recai sobre Izabel e as articuladoras. Constatamos também que a comunicação interna é efetiva, porém não é muito trabalhosa e por vezes burocráticas.

Isabel e Marilac muitas vezes têm que passar pessoalmente na casa de todos os moradores, convidando para eventos, lembrando de compromissos, trazendo avisos. Se isso não fosse feito, a comunidade se dispersaria e muitas vezes deixaria de se engajar, comentou Izabel. Também é comum o uso do sistema de som do carro do pão, pelas duas irmãs, para divulgarem informações dentro da comunidade.

Durante a conversa, as irmãs revelaram que tinham grande interesse em um jornal e em uma rádio comunitária. Concordaram com a nossa proposta de que uma abordagem voltada para as redes sociais, com fins de comunicação externa, também seria de grande proveito para a comunidade.

Necessitando focar um pouco mais, acabamos definindo, junto a ela, que trabalharíamos com os seguintes eixos: rádio comunitária (comunicação interna) e mídias sociais (comunicação externa). A ideia era capacitar os membros da ONG e os outros moradores da comunidade a se engajarem mais nos projetos da ONG.

As duas revelaram que a maioria dos moradores se tornava tímido quando era convidado a falar da ONG ou da comunidade para terceiros; embora dominassem bem o assunto, sentiam-se inseguros para fazê-lo.

Além de capacitar tecnicamente essas pessoas, propusemos uma roda de conversas para tratar desse fator mais psicológico, ou seja, deixá-las aptas a falarem, produzirem conteúdo por si próprias. Nos despedimos das irmãs depois de três horas de conversa, e ficamos de dar retorno sobre as datas e quantidade de oficinas.

 

Na semana seguinte ao segundo encontro

 

Esboçamos um esquema com 3 dias de oficinas, duas por dia (metade de Mídias Sociais e a outra metade de Rádio). Ambas seriam ministradas paralelamente, pois a própria Izabel apontou que teriam públicos-alvo diferentes, destacando principalmente a questão da faixa-etária.

Assim sendo, teríamos oficinas nos dias 21 de dezembro, e 4 e 11 de janeiro. O dia 18 seria um retorno à comunidade para um feedback e a apuração do produto final, que seria trabalhado no decorrer das oficinas.

Izabel e Marilac nos pediram para levantar o orçamento de um equipamento de Rádio para as oficinas, assim como de um conjunto de caixas de som que seriam espalhadas pela comunidade e transmitiriam o programa realizado ao final do projeto.

Cada oficina teria de duas a quatro horas, dependendo da necessidade. Segue um planejamento das duas séries de oficinas:

 

tabela1

tabela2
Entramos em contato com Isabel e, devido às movimentações de fim de ano, só foi possível marcar a primeira oficina para o dia 04 de janeiro de 2016.

A estrutura do projeto se manteve, com a única diferença sendo a data de início e a data de término: a última oficina ocorreria em 18/01/16; na sexta-feira (22/01) haveria um retorno à comunidade para realizar os feedbacks antes propostos para o dia 18.

 

08 de janeiro de 2016

 
A primeira oficina ocorreu nesse dia. Mais uma vez, houve problemas para realizar a oficina no dia 04, como previsto, mas conseguimos reagendar para a mesma semana, na sexta-feira. Izabel, através da divulgação na semana anterior, conseguiu 8 participantes da comunidade.

Por questão do pequeno número de participantes e pelo fato de todos estarem interessados em ter oficinas tanto em Rádio como em Mídias Sociais, fizemos uma única turma que assistiria ao conteúdo dessas duas séries de oficinas.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

A oficina estava marcada para ter início às 14:00, mas com o atraso dos participantes da comunidade, teve início às 14:30. Alguns participantes chegaram ainda após esse horário, mas totalizaram um público de 10 pessoas.

A comunidade do Poço da Draga é bastante movimentada e sempre está sediando algum tipo de projeto. Por conta de uma filmagem que ocorreria no espaço do Pavilhão (onde estava sendo realizada a oficina), tivemos que encerrar às 15:30.

Conversamos um pouco sobre os interesses e a familiaridade dos participantes tanto com as Redes Sociais como com a programação de Rádio. Enquanto explicávamos as particularidades técnicas dessas duas plataformas, foram surgindo ideias e opiniões.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

Logo, se tornou consensual que as duas plataformas deveriam estar integradas. Deveria haver uma retroalimentação de conteúdo, e provavelmente a rádio comunitária do Poço da Draga deveria estar plenamente integrada com o site e as mídias sociais.

A rede social escolhida pelos participantes para se trabalhar foi o Facebook, e apresentamos o básico da criação e manutenção de uma fanpage nessa rede social. Apontamos a possibilidade de diálogo do site do Poço da Draga, mantido pela comunidade, e a fanpage do Facebook.

Sobre a questão da Rádio, todos concordaram com a necessidade de se mesclar informação e entretenimento. Narração de jogos e campeonatos que ocorressem dentro da comunidade, recados e participação dos outros moradores, notícias sobre eventos culturais e notas de serviço sobre o comércio local foram alguns pontos apontados. Um dos participantes improvisou locuções de notas rápidas e foi apontado pelos outros como possível locutor fixo da rádio.

O clima da oficina começou meio frio, mas foi ficando mais descontraído à medida que os participantes interagiam e tinham ideias. Ao final, todos pareciam bastante empolgados e contribuíram bastante, contando histórias da comunidade, explicando o que imaginavam que daria certo ou não, sugerindo ideias.

Eles também estavam interessados em um jornal comunitário; apesar de não ser um dos produtos finais que planejávamos produzir ao decorrer das oficinas, introduzimos algumas questões básicas sobre esse tema e explicamos como ele poderia tomar parte na integração da rádio comunitária e as mídias sócias.

A oficina terminou com a próxima já confirmada para 14/01. Deixamos também como atividade a produção de fotos e textos radiofônicos curtos para serem analisados e discutidos na oficina seguinte.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

(Para ver mais fotos feitas durante as oficinas realizadas, clique aqui)

 
11 de janeiro de 2016

 
O segundo dia de oficinas seria dedicado à fotografia e edição de áudio, contemplando assim conteúdos relacionados à Mídias Sociais e Rádio. Os próprios participantes fizeram bastante questão de frisar o interesse em uma oficina de caráter mais técnico de edição.

Às 14:30, porém, só havia aparecido três dos meninos que participaram das oficinas anteriores. Entramos em contato com Izabel, que se propôs a chamar os outros, mas nos retornou dizendo que havia ligado para todos, sem receber resposta de alguns.

Os participantes presentes não trouxeram o material pedido nas oficinas anteriores, então pedimos que escrevessem textos curtos para serem usados como notas radiofônicas.

Após 10 minutos, conferimos os textos e os encorajamos a ensaiar uma locução. Um dos participantes teve um desempenho bastante admirável, e pedimos então que ele lesse todas as notas, como em um boletim. Essa versão foi gravada.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

Para falar sobre edição radiofônica, usamos a locução gravada e explicamos como editar áudios no software Audacity. Apresentamos todas as principais funções do programa, corrigimos os poucos erros de locução e depois ouvimos a versão finalizada.

Em seguida, iniciamos a parte sobre Fotografia, apresentando alguns conceitos básicos de composição. Mostramos algumas funções de câmeras profissionais e semiprofissionais, que também estão presentes em alguns modelos de smartphones, como os da maioria participantes da oficina.

Após esclarecer esses conceitos, levamos os participantes para fotografarem a praia da comunidade, munidos dos smartphones e das câmeras que emprestamos. A atividade foi acompanhada de perto, esclarecendo dúvidas sempre que necessário e comentando as fotos durante toda o percurso.

As fotos a seguir foram produzidas durante a oficina de fotografia pelos próprios jovens da comunidade Poço da Draga.

 

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Adeus, por hora

 

Com o fim do segundo dia de oficinas e a dificuldade (conflitos de agenda, choque de eventos, pré-carnaval, aulas) em realizar uma nova tarde de encontros, declaramos por encerrada a série de oficinas com os jovens da comunidade, com uma sensação, na verdade uma mescla de sensações, de dever cumprido e vontade de fazer mais.

Se a vontade de fazer poderia, dificilmente, ser saciada, é difícil saber, mas em meio a essa sede, no mesmo poço que se alagava, brotou o filete de água de informação e conhecimento que pode ser interrompido, ou pode virar riacho de água limpa. Aqui, a vontade é mais que um desejo, tão poderosa quanto as ondas do mar que banham a praia em frente à comunidade.

Saindo, olhando para trás, bate a saudade das horas usadas, palavras trocadas e sorrisos sinceros de uma vida até sofrida, mas genuinamente vivida, às margens de uma cidade que muita fala, mas pouco vê, muito aponta, mas pouca enxerga.

Superar essa barreira e entrar naquela comunidade foi mais que conhecer um lugar que muito nos escondem, muito nos negam, foi sem dúvida se conhecer um pouco se vendo em um ambiente diferente e quase novo, rodeados pessoas e situações novas, fomos também renovados.

Do trabalho realizado, trazemos os aprendizados, palavra essa que poderia representar o que todo o trabalho foi, provenientes do erros, das falhas, dos imprevistos ou mesmo dos acertos, muito se tirou do que foi feito. Mas, melhor que isso, foi ter regado a semente da vontade que teimava em brotar mesmo na seca.

Vimos, vivemos, aprendemos, pensamos, passamos, ensinamos, conversamos, discutimos, rimos, andamos, aplaudimos. Conhecemos. Foi uma honra ter nos apresentado, foi uma honra ter ensinado. Somos mais do que éramos antes de tudo, que a comunidade e aqueles jovens possam ser também um pouco além do que eram.

 

(Foto: Maggie Paiva)

(Foto: Maggie Paiva)

 

As palavras não foram vazias e o coração foi cheio. Que a vontade prossiga, que o aprendizado dure e que tudo – absolutamente tudo – possa ter, de pouco ou de muito, algum significado. Por fim, que todos possam ter a chance de conhecer – melhor – o Poço da Draga como conhecemos. O prazer foi nosso.

 

 

Você pode conferir, ainda, o ensaio “Poço da Draga em Preto e Branco”, outro resumo dos dias em que estivemos na comunidade, visitando, fazendo contato ou participando das oficinas.

 

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Thalita Moura, Patrício Alencar, Maggie Paiva, Clara de Castro, Wladiane Costa, Victor Comenho, Lauriberto Pompeu, Átala Sousa. 

Jornalismo no 3º Setor – 2015.2.

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